SALMO 91
Texto de Dib Carneiro Neto e direção de Antônio Rodrigues
Adaptação do best-seller Estação Carandiru de Dráuzio Varella.
“Diz-se das águas do rio que são violentas
Nada se diz das margens que as comprimem.”
Bertolt Brecht
O grupo de teatro Cênicas Companhia de Repertório apresenta, “SALMO 91”, de Dib Carneiro Neto, texto vencedor da 20ª edição do Prêmio Shell de Teatro 2008. A direção é do ator e encenador Antônio Rodrigues, um dos membros fundadores da Cênicas Cia de Repertório que completa 14 anos em 2015 e tem assistência de direção e preparação de elenco da atriz Sônia Carvalho. O texto é uma adaptação do best-seller “Estação Carandiru - 1999” de Dráuzio Varella. O livro tem como protagonistas detentos do Carandiru, a extinta Casa de Detenção de São Paulo.Os relatos e histórias do livro são matéria prima para os dez monólogos que além de contarem o drama de cada personagem, revela detalhes da vida dos detentos antes do massacre de 02 de outubro de 1992, que terminou com a morte de 111 detentos. Dando voz aos presidiários, a peça lança um novo olhar ao massacre de 1992 em testemunhos fortes, verdadeiros e crus daquele recorte da história carcerária do país, levando ao público um final surpreendente. Vinte e três anos depois, essa reflexão social é atual e pertinente. Para contar a história dos detentos do Carandiru os personagens ganham voz, Dadá, um sobrevivente do massacre inicia a narração. Furioso, ele lembra do salmo que sua mãe havia lhe mandado ler, e lamenta não ter lido. Justamente o salmo 91. O texto se segue e aos poucos os outros nove personagens vão revelando e se revelando, expondo feridas e revivendo as cicatrizes.
A peça estreou dia 01 de agosto e cumpre temporada no Espaço Cênicas, sede do grupo, sábados 20h e domingos 18h, até o dia 06 de setembro de 2015. É o primeiro trabalho do grupo produzido no Espaço Cênicas potencializando essa relação espacial alternativa de palco. O público é limitado a 65 expectadores por sessão e a encenação tem caráter intimista e confessional.
“O pior cárcere não é o que aprisiona o corpo, mas o que asfixia a mente e algema a emoção.”
Augusto Cury
Assim como Oscar Wilde publicou um livro de poemas A Balada do Cárcere de Reading, baseado em suas experiências na prisão; Jean Genet, lança um olhar sobre o cárcere através de suas experiências pessoais e do universo ao seu redor. Em ambos os casos o autor viveu a experiência prisional. No livro Estação Carandiru, Dráuzio Varella relata sua experiência dentro da Casa de Detenção, mas não como portador da voz e sim através do olhar estrangeiro, como um observador atendo, sabendo dar voz e vez aos protagonistas dessa narrativa. Dib Carneiro Neto se apropria dos relatos do livro e cria uma dramaturgia de forte poder imagético e poético que ao mesmo tempo é lúdico e violento.
Salmo 91 aborda o cotidiano da extinta casa de detenção de São Paulo, conhecida pelo nome de Carandiru, nome do bairro em que era localizada. Os personagens circundam em torno do que ocorreu em outubro de 1992, em que 111 presos foram mortos, mas poderia ser em qualquer outro presídio do país. É um relato forte do sistema carcerário brasileiro e de suas relações com a sociedade que o circunda. Dando voz à margem, o texto lança um olhar não só sobre o massacre de 1992 mas também sobre a falência do sistema.
A cena é composta por dez monólogos e revela a voz do cárcere por seus próprios habitantes. Assim, Salmo 91 surge como uma forma denominada por Jean-Pierre Sarrazac de “teatro rapsódico”, ou seja, “composto por momentos dramáticos e fragmentos narrativos”. De modo que o monólogo aparece como a representação de uma superação, um retrato da realidade crua, um recorte do cárcere e das feridas de quem fala.
O Carandiru, local onde acontece a história é tão selvagem quanto os seus próprios personagens que se digladiam entre seus desejos e suas obsessões. Medo, revolta, angustia, sonhos são dilacerados e dissecados pouco a pouco, revelando as feridas e as cicatrizes adquiridas na vida dentro e fora da prisão.
A encenação pretende construir uma ambientação que condense essa atmosfera trágica dos muros e paredes do Carandiru. O público precisa sentir-se dentro desse ambiente, na intimidade dos narradores e com a proximidade como estratégia de ligação com o universo carcerário. O espetáculo será apresentado em espaços alternativos, não teria a mesma potência com a relação de palco italiano. A cena se passa no espaço interno do presídio, o público é levado para dentro da cadeia, seja na intimidade das celas ou nos corredores das galerias. As cadeiras serão dispostas nas laterais da cena, fazendo da assistência um expectador próximo e íntimo dos relatos. Além desta pretensa proximidade, a iluminação será pontual e com caráter artesanal, valorizando o jogo de claro e escuro, sombra e luz que revelam ou escondem as dores e agruras expostas.
Os depoimentos do texto sugerem uma composição, tanto em termos cênicos como interpretativos, que oscila entre uma mobilidade pulsante dos personagens e das imagens, como em movimentos muitos precisos e limitados pelo ambiente do claustro. As imagens e visualizações potencializam a composição e construção das personagens revelando as sensações e pulsações da cena.
As narrativas dos monólogos têm caráter íntimo e devastador. A mola propulsora da encenação é o trabalho de corpo e voz dos atores que atuam como coautores das cenas, criando uma nova dramaturgia, a dramaturgia do ator. Toda uma experimentação envolvendo contensão física e expansão energética será combustível na criação de um corpus interpretativo que desenvolva no ator a apropriação da atmosfera densa, da construção de personagem e de uma relação próxima com o público. O público é levado a ser testemunha viva dos acontecimentos que antecedem ao massacre, juntando as peças desse quebra cabeça que irá culminar no estopim que ficou marcado na história do país e que ainda se revela atual e urgente.
O AUTOR DIB CARNEIRO NETO
“...E que 111 homens caiam de novo à nossa direita ou à nossa esquerda,
sem que nada (nada mesmo?!) nos aconteça, como apregoa o salmo de número 91.
E que, então, a pungência dos relatos de Drauzio Varella,
unindo-se finalmente à contundência artística de uma encenação teatral,
ressoe em todos nós, cúmplices-sobreviventes,
a importância de continuar sonhando com um mundo melhor."
DIB CARNEIRO NETO
Dib Carneiro Neto, 53 anos, natural de São José do Rio Preto – SP, é jornalista radicado em São Paulo desde 1979, ex-editor doCaderno 2 do jornal O Estado de S.Paulo, função que exerceu por oito anos, até fevereiro de 2011. Trabalhou no Estadão por 19 anos seguidos e, antes, atuou em Veja São Paulo por quatro anos e na Gazeta de Pinheiros por sete anos. É hoje um dos mais respeitados críticos de teatro infanto-juvenil do País, função que exerce desde o início dos anos 1990.
Atualmente, mantém uma coluna semanal virtual de críticas de teatro infantil no site da revista Crescer, da editora Globo. É jurado do Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem (ex-Femsa) e da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). Há dois anos, tem sido curador do Festival de Artes para Crianças, sediado em Registro no mês de outubro. Também há três anos é curador de teatro infantil do Circuito Cultural Paulista (CCP) e do Edital ProAc de Fomento, Difusão e Circulação de peças infanto-juvenis. Integra, pelo segundo ano consecutivo, a comissão julgadora do Festival de Teatro da Cultura Inglesa. Atualmente, é também o autor convidado a escrever um espetáculo inédito para o Projeto Conexões - Teatro Jovem, uma iniciativa do British Council São Paulo, da Cultura Inglesa, do Colégio São Luís, da Escola Superior de Artes Célia Helena e do National Theatre de Londres. Também integra, em 2014, a comissão julgadora do Prêmio José Renato de Fomento ao Teatro na Cidade de São Paulo.
Além de jornalista, é um premiado autor de peças teatrais. Escreveu, por exemplo, Adivinhe Quem Vem para Rezar, montada em São Paulo e em mais 20 cidades, com Paulo Autran e Claudio Fontana. A peça já teve montagens internacionais em Portugal (Porto), na Argentina (Buenos Aires e interior), no Paraguai (Assunção) e no Chile (Festival de Valparaíso). Também é autor de Salmo 91, peça pela qual ganhou o Prêmio Shell de melhor dramaturgo de 2007 em São Paulo. Foi a primeira adaptação teatral do best seller Estação Carandiru, de Drauzio Varella. Salmo 91 já teve montagens em Montevidéu, Uruguai, e em Salvador, BA. Em breve, será publicada em inglês (Psalm 91) na revista norte-americana de dramaturgia contemporânea, ‘Theater’, da Yale University.
Ainda para o teatro traduziu diretamente do francês a peça Calígula, de Albert Camus, montada em 2009 e 2010 com direção de Gabriel Villela e, no papel-título, Thiago Lacerda. Em junho de 2011, estreou no Rio e, em seguida em São Paulo, sua adaptação teatral do romance Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso. Em outubro de 2011, estreou seu texto Depois Daquela Viagem, no Sesc Anchieta, em São Paulo, baseado no best-seller juvenil de Valéria Piassa Polizzi. Em janeiro de 2014, foi a vez de sua peça Um Réquiem para Antonio, no Tucarena, em São Paulo, sobre a lenda da inveja de Salieri por Mozart.
É autor dos livros A Hortelã e a Folha de Uva (ed. DBA), de crônicas afetivo-gastronômicas sobre sua ascendência libanesa, e dePecinha É a Vovozinha (ed. DBA) e Já Somos Grandes (ed. Giostri), ambos com críticas e reflexões sobre a produção de teatro infantil em São Paulo. Acaba de lançar, em outubro de 2014, seu primeiro livro de poemas, Dia de Ganhar Presente, pela editora Íthala.
PALAVRAS DO DIRETOR
“...Os guardas, com seus sapatos de feltro, deslizavam por portas com cadeados,
e apareciam para ver com olhos assombrados as figuras cinzas sobre o solo,
e se perguntavam por que os homens se agacham para orar
mesmo os que antes nunca haviam rezado...”
Oscar Wilde
Salmo 91 é uma adaptação dramatúrgica que dá eco às vozes dos próprios oprimidos, como diz um texto de Brecht, “a piedade do oprimido para com o oprimido é indispensável. É a esperança do mundo.”. O autor faz de cada cena, cada diálogo, um retrato da realidade daquelas vidas, tirando-as do anonimato e colocando-as em destaque para questionar a violência das paredes e daqueles a habitam.
A cena traz a história de 10 detentos do pavilhão 9, onde oficialmente 111 foram assassinados, mas de acordo com a voz dos detentos foram mais de 250 mortos. O massacre do Carandiru, que ficou conhecido como a maior chacina do sistema penitenciário brasileiro, não é um fato isolado. A violência velada desse sistema é algo urgente e atual. A peça não é um relato realista do massacre, ela revela o olhar do oprimido, foca na perspectiva do preso sobre a vida marginal. Por meio da subjetividade das personagens, o drama desenrola questionamentos sociais sobre a marginalidade, colocando em foco as sensações de medo, desejo, vaidade e violência, revelando uma representação do teor do livro que expõe o que realmente acontecia dentro e fora das celas.
Em 2003, Hector Babenco trouxe para os cinemas a narrativa de Varela, o filme trazia para a tela história do livro e do massacre de 2 de outubro de 1992, quando a Polícia Militar invadiu o presídio para conter uma rebelião e matou 111 detentos. O filme foi um dos grandes sucessos de bilheteria visto por mais de 4,5 milhões de pessoas no Brasil, revelando o fascínio que o universo retratado traz as massas. Uma grande prova disto são os programas policiais sensacionalistas, em que no horário das refeições, famílias assistem as notícias da violência urbana com grande interesse. O texto, segundo o próprio autor foi concebido no ano do lançamento do livro.
“O impacto da leitura foi enorme. Fechei a última página absolutamente fascinado.
Por isso, não demorei muito tempo: o livro foi lançado em 1999 e no fim desse mesmo ano eu já tinha terminado minha adaptação teatral
daquele que viria a ser um best seller de marcar época na história do mercado editorial brasileiro”
Dib Carneiro Neto
Salmo 91 teve sua primeira montagem em 2007, com direção de Gabriel Vilela, e conquistou o prêmio Shell de melhor autor no ano seguinte. Além da montagem de Vilela, o texto teve outras duas montagens: Uma no Uruguai e outra na Bahia. É um texto inédito em Pernambuco. O tema é potente e atual e não faltam relações com todo o sistema carcerário do Brasil, como podemos ver nas barbáries do presídio de Pedrinhas, no Maranhão e mais recentemente nas rebeliões do Complexo do Curado, antigo Aníbal Bruno, em Recife. Segundo reportagem de 21 de janeiro de 2015 os detentos iniciaram uma rebelião:
“Detentos ocupam laje de presídio no Complexo do Curado, no Recife
Parte dos internos do Presídio Frei Damião Bozzano está fora das celas. Na manhã desta quarta, 22 oficiais do Batalhão de Choque estão de plantão do lado de fora das unidades e uma nova equipe está a caminho para rendê-los. Ao contrário do que acontece no Frei Damião, o clima é mais tranquilo no Panfa e no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros. Alguns detentos foram vistos caminhando no pátio das unidades, mas por enquanto não há ninguém em cima dos pavimentos. A movimentação de policiais também é menor que na terça no entorno do complexo.”
Fonte site G1:
A barbárie e violência, apesar da repulsão, causam fascínio e curiosidade. É muito fácil julgar quando estamos do lado de fora das grades. O texto revela filigranas de humanidade presentes nas personagens. É um retrato diversificado do sistema carcerário do país que ainda hoje revela mazelas e necessita de reestruturação. Revisitar este momento histórico através de uma versão pernambucana com o grupo Cênicas Cia de Repertório, que traz em suas montagens anteriores elementos que colocam o trabalho do ator como mola propulsora da encenação e tem um histórico de realizações bem-sucedidas na cidade do Recife, reforça a força do movimento de teatro de grupo. São 14 anos de trajetória onde o estabelecimento do repertório, da sua sede, o Espaço Cênicas, e das atividades de formação permitem aos seus integrantes caminhar nas estradas pedregosas do fazer teatral. O grupo e seus integrantes buscam em sua pesquisa uma linguagem própria e sistematicamente mergulham profundamente com esta obra visceral e de alto teor conceitual, colocando o espectador diante da crueldade inerente à condição humana e que por mais inimagináveis que possam parecer, são coisas que permeiam nossas vidas.
Recife, 22 de janeiro de 2015
Antônio Rodrigues
Ficha Técnica
Texto: Dib Carneiro Neto (adaptação do best-seller ESTAÇÃO CARANDIRU de Dráuzio Varella).
Encenação: Antônio Rodrigues.
Preparação de elenco e Assistência de Direção: Sonia Carvalho.
Elenco: Álcio Lins, Gustavo Patriota, Raul Elvis, Rogério Wanderley e Antônio Rodrigues
Ator coringa: Vitor Lima - standy by
Figurinos: Alcio Lins, Antônio Rodrigues e Sônia Carvalho.
Adereços: Alcio Lins, Felipe Lopes, Sônia Carvalho e o Grupo.
Máscaras: Grupo.
Cenário: Antônio Rodrigues.
Execução de Cenografia: Felipe Lopes
Execução de Figurino: Francis Souza.
Maquiagem: Alcio Lins.
Sonoplastia: Antônio Rodrigues.
Operação de som: Tarcísio Vieira.
Fonoaudióloga: Sandra Carmo.
Iluminação: Luciana Raposo.
Operação de luz: Nardonio Almeida
Design Gráfico: Antônio Rodrigues
Contra Regra e operação de som: Monique Nascimento.
Apoio de Prodição e fotografias: Wilson Lima
Produção Executiva: Sônia Carvalho e Antônio Rodrigues.
Realização: Cênicas Cia de Repertório.
Veronique
Dadá
Valente
Veronique